Penso que é no mínimo curioso o fato de a nossa maior data cívica ser o dia da independência, o sete de setembro de 1822. É que a independência instaurou a monarquia imperial, manteve a escravidão, não universalizou o sufrágio, cerceou o desenvolvimento da política, não enfrentou, por absoluto vício de origem, o problema da identidade nacional frente aos colonizadores portugueses, aliás, a independência nem sequer foi conquistada, pois teve que ser comprada aos portugueses com dinheiro emprestado da Inglaterra. A independência criou a dívida externa. Mas, de fato e de direito, essa é a data de nascimento do país Brasil, reconhecido na comunidade internacional como soberano. Ademais, nosso século de convivência com a monarquia deixou raízes profundas no imaginário brasileiro, a mania por reis e rainhas (do futebol, dos baixinhos, da música popular, das embaixadinhas, da pizza...), a obsessão por supremacia, o gigantismo. Isso certamente ajuda a explicar nosso fascínio pelo Independência ou Morte às margens plácidas do Ipiranga.
Fomos educados com o exemplo de civismo heróico da aristocracia: D. Pedro, o libertador; José Bonifácio, o patriarca; Duque de Caxias, o pacificador. Aprendemos a repetir a tese do brasileiro cordial, da harmonia entre as três raças constitutivas da brasilidade, apesar do genocídio indígena da colonização e da barbaridade da captura e escravidão dos diversos povos africanos. Houve, aliás, muitas revoltas nesse período monárquico (Praieira, Confederação do Equador, Cabanagem, Balaiada, Sabinada, Farrapos, Quilombos...), mas nenhum de seus líderes mereceu o posto de herói nacional, salvo Tiradentes, o único insurgente que chegou lá. Isso porque a inconfidência mineira ocorrera antes da independência. Todos os movimentos posteriores foram reprimidos brutalmente pelo Império – a independência não viria de baixo para cima. Garantia-se assim a unidade nacional à custa da democracia e dos próprios direitos fundamentais dos cidadãos a esta altura já enunciados e proclamados urbi et orbi.
Não temos o mesmo apego pelo 15 de novembro de 1889, data da proclamação da República. Não há paradas escolares, nem mesmo desfiles militares, o que é mesmo de estranhar, pois a República foi instaurada entre nós por um golpe militar. O povo, esse não ficou nem sabendo que dormira numa monarquia e acordara numa república federativa, “assistiu bestificado”. A aristocracia imperial também. Na noite anterior houve o famoso “baile da ilha fiscal”, em que os fidalgos todos valsaram até as altas horas. Não houve festas com a chegada da nova forma de governo, embora a situação do regime de Pedro II estivesse mesmo crítica (abolicionismo, crise militar desde o fim da Guerra do Paraguai, crise política com a Igreja), isso não era compartilhado como um sentimento popular. A República brasileira nasce do próprio sistema de forças que sustentava a monarquia, a elite oligárquica, que assume as pautas liberais e republicanas e o exército, catequizado pela doutrina agnóstica e cientificista do positivismo.
Sai o Independência ou Morte, entra o novo slogan nacional, Ordem e Progresso. É essa bandeira republicana, com esse bordão positivista, que todos agitamos um dia e que estampa as cidades no dia sete de setembro.
domingo, 7 de setembro de 2008
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