segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Assembléia Nacional Constituinte

João Baptista Herkenhoff

HISTÓRIA DOS DIREITOS HUMANOS NO BRASIL

A convocação da Constituinte foi outra vitória da opinião pública. Como também o próprio funcionamento da Constituinte. Houve, em todo o Brasil um grande esforço de participação popular. Não apenas antes e durante a elaboração da Constituição Federal, como também antes e durante o processo de votação das Constituições estaduais. Por causa dessa grande participação popular, o período pré-constituinte e constituinte foi riquíssimo para o crescimento da consciência política do povo brasileiro.

Nem todas as aspirações manifestadas pelo povo encontraram eco na Assembléia Constituinte Federal e nas Assembléias Constituintes Estaduais. Por outro lado, alguns artigos que resultaram da pressão popular per­manecem “letra morta”; ou porque dependem de regulamentação; ou porque não estão sendo respeitados. Nada disso invalida, a meu ver, o esforço que foi realizado.

Constituinte Exclusiva x Constituinte Congressual

No final de 1985, travou-se um grande debate em torno da escolha entre duas espécies de Assembléia Constituinte:


a) a Assembléia Constituinte autônoma ou exclusiva;
b) a Constituinte congressual ou Congresso com poderes constituintes.


A Assembléia Constituinte autônoma seria eleita, exclusivamente, para fazer a Constituição, dissolvendo-se em seguida à promulgação desta. A Constituinte congressual seria aquela que resultaria de uma Câmara e de um Senado que se instalariam inicialmente para fazer a Constituição (como Assembléia Constituinte). Terminado esse encargo, continuariam como Câmara e Senado, cumprindo os cidadãos eleitos o mandato de deputado ou senador, em seguida ao mandato constituinte.

A principal vantagem de uma Assembléia Constituinte exclusiva seria a de possibilitar uma eleição fundada apenas na discussão de teses, princípios e compromissos ligados ao debate constituinte. Dizendo com outras palavras: numa Constituinte exclusiva, partidos e candidatos comprometem-se com idéias e programas, pois os constituintes seriam eleitos apenas para fazer uma Constituição. Na fórmula da Cons­tituinte congressual (ou Congresso constituinte), os candidatos podem prometer estradas, empregos, benefícios pessoais, pois a eleição deixa de ser de constituintes exclusivos, para ser de deputados e senadores.

A Constituinte congressual tende também a ser mais conservadora do que uma Constituinte exclusiva, por dois motivos:

1º) porque facilita a eleição dos velhos políticos, ligados às máquinas eleitorais, e desencoraja a participação de elementos descompromissados com esquemas. Na Constituinte congressual. candidatos descompro­missados com a estrutura de poder vigente concorrem, em inferioridade de condições, com os políticos que atuam na base do clientelismo eleitoral. Neste quadro as correntes conservadoras e retrógradas ficam mais fortes.
2º) porque um Congresso Constituinte, que já nasce sem liberdade de discutir a própria estrutura do Poder Legislativo, tende a reproduzir tudo o mais, ou fazer mudanças apenas superficiais e periféricas.


Um dos temas que a Assembléia Constituinte deveria discutir seria o da própria conveniência de manter, no Brasil, o sistema bicameral (Câmara dos Deputados e Senado Federal). Diversas vozes advogavam a supressão do Senado. Não nos manifestamos, neste parágrafo, sobre ser ou não uma boa idéia suprimir o Senado. Nem seria um ponto adequado para debate, neste trecho do livro. O que afirmamos, sem titubear, é que uma Assembléia Constituinte deveria ter plena liberdade de discutir a conveniência de manter ou suprimir o sistema bicameral. Os senadores, eleitos como constituintes, admitiriam a supressão do próprio mandato? É claro que não.

Fazendo ouvido surdo ao apelo dos mais amplos segmentos da sociedade civil, que queriam uma Constituinte exclusiva, a maioria parlamentar seguiu a orientação do Governo e optou pelo Congresso constituinte. Essa maioria parlamentar não acolheu nem mesmo o parecer do deputado Flávio Bierrenbach, que propôs, se entregasse ao próprio povo a decisão entre as duas formas possíveis de Assembléia Constituinte, através de um plebiscito que seria realizado em 15 de março de 1986. Em vez de apoiar a democrática proposta de plebiscito, as forças do Governo destituíram Flávio Bierrenbach da função de relator da emenda da Constituinte e aprovaram, contra a opinião pública nacional, a convocação da Assembléia Constituinte sob a modalidade de Constituinte congressual.

O aspecto mais chocante da decisão governamental que optou pela Constituinte congressual foi, ao mesmo tempo, uma das razões mais fortes para que o Governo tomasse essa decisão. Consistiu no fato de que a Constituinte congressual teria a participação, como constituintes, dos 23 senadores eleitos em 1982. Esses senadores, de direito, não poderiam ser membros natos da Constituinte, pois ninguém pode ser constituinte sem mandato específico. A presença dos senadores eleitos em 1982 no Congresso Constituin­te foi impugnada pelos deputados Plínio de Arruda Sampaio (do PT, de São Paulo) e Roberto Freire (do então PCB, de Pernambuco). O plenário da Constituinte rejeitou a impugnação e acolheu esses senadores nas votações da Assembléia’

Apesar da derrota na batalha pela Constituinte exclusiva, entenderam as forças populares, penso que corretamente, que não deveriam abandonar a lula. Mesmo diante de um Congresso Constituinte, era preciso pressionar o máximo no sentido de obter o reconhecimento do direito de participação popular nos trabalhos de elaboração da nova Constituição. Através da participação e da pressão popular seria, de qualquer forma, possível alcançar alguns avanços.
A Exuberância das Emendas Populares

O Regimento da Assembléia Nacional Constituinte acolheu o pedido do Plenário Nacional Pró-Participação Popular na Constituinte e admitiu a iniciativa de emendas populares. Por essa via, a população obtinha o direito a uma participação mais direta na elaboração constituinte. O direito de apresentar emendas foi uma grande vitória alcançada pela pressão do povo. Nada menos que 122 emendas foram propostas. Essas emendas alcançaram o total de 12.265.854 assinaturas. Não apenas as forças populares serviram—se do instrumento da iniciativa de emendas. Também as forças conservadoras patrocinaram emendas populares. Contudo, as emendas de origem realmente popular foram em numero muito mais expressivo e obtiveram um total de assinaturas muitíssimo maior.

A coleta de assinaturas foi um momento muito importante no processo de mobilização. Frequentemente as emendas eram assinadas depois de assembléias que as discutiam.
O ritual das emendas populares repetiu-se nos Estados, por ocasião da discussão das Constituições Estaduais. Nessa oportunidade, grandes temas populares foram novamente discutidos e particularizados no nível das unidades da Federação.


Outros Instrumentos Pressão Popular

A pressão popular não se limitou às emendas. Segmentos organizados estiveram presentes nas galerias e nos corredores da Constituinte durante lodo o período de funcionamento da Assembléia. Aí também não foi apenas o povo que fez pressão. As classes dominantes e os grupos privilegiados montaram esquemas formidáveis para acuar a Constituinte. A UDR, por exemplo, mobilizou milhares de pessoas, inclusive jovens, para impedir, como impediu, que a Constituinte abrisse, no texto da Constituição, caminhos facilitadores da reforma agrária.

Além das emendas populares, a população expressou suas opiniões por diversos canais: através de sugestões apresentadas à Comissão Afonso Arinos; nas audiências públicas da Assembléia Constituinte, quando vários lideres puderam expressar a opinião dos segmentos sociais que representavam; através dos mais variados caminhos formais ou informais de que o povo lançou mão, com a criatividade que lhe é própria e com a força de sua esperança (abaixo-assinados, cartas e telegramas dirigidos à Assembléia Constituinte ou a determinados constituintes, atas de reuniões e debates remetidas a parlamentares, cartas de leitores publicadas em jornais etc.).

A Comissão Afonso Arinos foi criada pelo Governo para preparar um projeto de Constituição. Houve uma repulsa inicial dos segmentos organizados da sociedade civil contra a criação dessa Comissão. A sociedade civil queria expressar-se livremente. Repugnava-lhe qualquer espécie de tutela como esta idéia de uma Comissão governamental para fazer um projeto de Constituição. Contudo, em vista do desejo de participação fortemente expresso pelo povo, a própria Comissão Afonso Arinos soube adequar-se à realidade social. Não foi uma Comissão autoritária que pretendesse impor um projeto. Abriu-se também às sugestões da sociedade e ao debate com a sociedade civil. Alguns de seus membros participaram de inúmeras reuniões, ouvindo diretamente o povo e discutindo com o povo, nas mais diversas cidades e regiões do Brasil. A Comissão Afonso Arinos acabou sofrendo a influência do clima de participação presente na sociedade brasileira, no período pré-constituinte.

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